quarta-feira, 30 de novembro de 2016





















Desproporção de pesares
Entre agarras roxas, amarelas, vermelhas
Corpos pluriformes alongam-se
Pela perscrutável via
Irremissível abismo
Entre névoas brancas
Agravam antebraços em pinças e abaulados
Retardam o céu do chão
Mas o cimo se faz presente
E a fera avança

Poema de Marcela Cividanes Gallic 
















Noturna, a letra é chama, cinza e névoa.
Língua-enigma em ofídica metáfora.

O leitor, meu igual, perfume hipócrita.
Balouçar de jardim suspenso a página.

O súbito, um sensível esqueleto.
Lupanares as pedras ametistas.

Tão sob a mira prenhe dos obuses,
o olho lê, se sabendo a arco-íris.


Um poema de Guilherme Delgado
















fome verde
maritacas na mata
bicando mamão


Haicai de Yara Darin
























Poema de Guilherme Delgado

ETERNO MOMENTO



Procuro-te em céu e mar,
Desenho-te em chuva e vento,
Pra em teus braços madrugarSenhor do meu pensamento.

Poema de Elischa Dewes

MICHEL












A serpente. Sem o que dispo o corpo negro à parte disto: quente, e, no entanto negues, és.
Que dissestes abrir uma clareira.
Um curumim de fogo ateia fogo e abre uma clareira, para a ave que se possa à morte ser comida. Pois é de fogo a sorte a dar conta desta trama, parte lama, parte contagem ou coragem de povos à lama, de pele branca a anca e íris-lama.
Então serpente: convívio.
Convido para o charco. Estou perto e atento muito ao membro fraco. Ao membro conjugado ao corpo da ave murcha. E leio a mesma carne, a coxa, que frouxa de forcejos tanto; que vista ao rasgo azul traçado àquele manto santo, adoraria. Mas que de adorada assume ainda o lugar inverso.
Pois é desejo o charco em que estás imerso.
Em que encontro a ti o teu pescoço quente; em que, no entanto negues, abro a ferro uma clareira tua nuca, parte nunca, parte parte disto. Que não há fogo que se me recuse empréstimo ao lacerado ouvido. E em abrir por sobre as costas mais de uma gaiola, e em fazer entrar ali a tal serpente, como a erguer o novo decreto de teu grito, és ave, que se possa à morte ser comida.


Poema em prosa de Caio Graco Maia

UMA BALADA DE CHOPIN


















São dois córregos;
um: caudilho.
em que não haja perda
para o tapeçário,
faz armário
forrado ou asilo
que se guarde a peça
à pele de algum filho
(mãe esquerda)

segundo córrego
arcaneja;
olho ou cancro
desmedido, o escriba
à faltosa tinta
de outro o filho raspa
a testa: códice que
emende a antiga seita.
(mãe direita)

Poema de Caio Graco Maia

MAS HOJE AINDA NÃO















Sempre chove no dia dos mortos
já são três horas da tarde
e hoje ainda não choveu.
O Captain! my Captain! Rise up and hear the bells.
Hear the sound of silence as well.
Sempre chove no dia dos mortos
mas hoje ainda não choveu.

No limiar do outro mundo
em fila eu vejo os meus
que antes de mim se encantaram.
O Captain! my Captain!
Sempre chove no dia dos mortos
e os olhos dos céus se nublaram
mas hoje ainda não choveu.

E se antes do fim do dia
a chuva me alcançar
não encontrará casa limpa
nem mesa posta também
e nada estará no lugar.

O Captain! my Captain!
que o poema encontre os versos
que dizem de aproveitar
o dia que já se finda.
Pois sempre chove no dia dos mortos
mas hoje não choveu ainda.


Poema de Gerusa Leal

MOMENTO
























O espelho que me interroga evoca antigo retrato
no quarto deserto, inundado por oceano de aço,
onde correntes de versos vazados a faca se esvaem
em cartas não escritas, laços frágeis,
pássaros feitos pedra em pleno vôo.

Nostalgia de percorrer estradas
sem rumo certo ou prazo de chegar.


Poema de Gerusa Leal 

domingo, 6 de novembro de 2016

PROMESSA












Estarei ainda só
quando a lua metálica
despojar-se de seu brilho.

Como espectro ou nódoa
na pétrea pele do solo
ou na epidérmica erosão.

Meu silêncio será quebrado
em troca de um olhar, do riso
ou da tua face de silício.

Guardarei a alma
no espelho do tempo
em sulcos de argila e cal.

Pois tudo é movimento
que carreia amor e pó
minério ou perdão.

E o que se vê é menos
que vértice, pedra, vento
ou humus que cobre o chão.


Poema de Marcia Tigani

quarta-feira, 2 de novembro de 2016






















Luz de setembro
Grito de quero-quero
Espicha a tarde

* * *
Pátio com zabumbas
Galinha degolada
por minha avó

* * *
Luz da manhã
Sombra cresce nos muros
Cedo perdi a fé

* * *
O sol esquenta as lajes
Queima a sola dos meus pés
Não vou ter filhos

Haicais de Marlova Aseff
















Leio em braile o texto adâmico
gravado na pele do desejo
sorvo das tuas mãos em concha
a improvável luz da lua cheia.

Fragmento de um poema de Marcia Friggi

ANÁTEMA
















Ainda criança foi me surgir um cisto feito til, amável embora, repetindo lições de cristo. Em casa de mamãe, a demostrar eficiência, quis me impregnar o credo (em garganta desocupada, e isto é certo, cabem tantas coisas como um toco, uma cruz ou cabra). Não quis falar. - Eu insisto! Então disse ao corisco que algumas dentições resistem ao tempo, mas a dentição do cristo resiste a nada: cordeiro em restos comido em mar e vento: poeira-ossada. Chamou-me poeta morto em cavado deus. Mas disse que se quisera a distinção armar-me inteiro de profano, afronhado acomodável, deveria por penitência eleger a exumação, e, escolhendo um ou outro cadáver espesso, que esse mais que espesso se espessasse, como que à roda da danação resultasse o acrescimento. Espesso til de entendimento! Tornei a vê-lo tempo e tempo, irrespondível que estivera, poética sobre poética, muito duro e endurecendo. Até que um dia, por enjoo e febre aguda, fui ter com um sabre em sua nuca: e um cristo manicômio, de riso deletério, veio a ter comigo para um último remédio: "contra os braços do poema, melhor empregar o ferro"

Poema em prosa de Caio Graco Maia

RÃS


















arrastos que a erosão destrói
lapso de tempo em púrpura
suculentas bromélias
derramam o mel extirpado
sapos em céu de estrelas
aleatórias sementes de cabala
mastigadas em saibo de sal
anestesiam linguas
onde magnólias vadiam
predadores abatem girinos
quartzo de azul citrino
fincam além das artérias
fluídos gélidos de sangue
enquanto serpentes desvestidas
escondem-se em turvas águas

Poema de Yara Darin
















Rosa incendiada
Ao sol do meio dia
E eu à flor da pétala.

Poema de Marcia Friggi