sábado, 16 de maio de 2009

DO LIVRO OS CANTOS DE MALDOROR

Há horas na vida em que o homem de cabeleira piolhenta lança o olhar fixo, miradas ferozes para as membranas verdes do espaço; pois lhe parece ouvir, a sua frente, as irônicas vaias de um fantasma. Cambaleia e baixa a cabeça; isso que ouviu é a voz da consciência. Então, precipita-se para fora da casa, com a rapidez de um louco, toma a primeira direção que se oferece a seu estupor, e devora as planícies rugosas da campina. Mas o fantasma amarelo não o perde de vista, e o persegue com igual velocidade. Por vezes, em uma noite de tempestade, enquanto legiões de polvos alados, semelhantes de longe a corvos, planam acima das nuvens, dirigindo-se com um vôo direto rumo às cidades dos humanos, com a missão de adverti-los para que mudem de conduta, o pedregulho, de olhar sombrio, vê dois seres passarem à luz do relâmpago.”

(Fragmento de Os Cantos de Maldoror, de Lautréamont. Trad.: Claudio Willer. São Paulo: Iluminuras, 1997)

Um comentário:

  1. a propósito de nossa última aula ...

    "É bom quando nossa consciência sofre grandes ferimentos, pois isso a torna mais sensível a cada estímulo. Penso que devemos ler apenas livros que nos ferem, que nos afligem. Se o livro que estamos lendo não nos desperta como um soco no crânio, por que perder tempo lendo-o? Para que ele nos torne felizes, como você diz? Oh Deus, nós seríamos felizes do mesmo modo se esses livros não existissem. Livros que nos fazem felizes poderíamos escrever nós mesmos num piscar de olhos. Precisamos de livros que nos atinjam como a mais dolorosa desventura, que nos assolem profundamente – como a morte de alguém que amávamos mais do que a nós mesmos –, que nos façam sentir que fomos banidos para o ermo, para longe de qualquer presença humana – como um suicídio. Um livro deve ser um machado para o mar congelado que há dentro de nós."

    carta de Kafka ao amigo Oskar Pollak

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