domingo, 10 de maio de 2009

SOBRE O POEMA EM PROSA

“O poema em prosa constitui uma dualidade (...) na qual o primeiro termo diz respeito à matéria (poesia) e o segundo à forma (a disposição graficamente tradicional da prosa). De onde se manifestarem ao mesmo tempo no poema em prosa uma força anárquica, destruidora, que conduz à negação das formas existentes e uma força organizadora, que tende a construir um ‘todo’ poético; e a própria expressão poema em prosa sublinha essa duplicidade: quem escreve em prosa se revolta contra as convenções métricas e estilísticas; quem escreve um poema visa criar uma forma organizada, fechada em si mesma, subtraída ao tempo. Os dois pólos estabelecem uma contínua tensão dialética, correspondente ao embate entre a ‘organização artística’ e a ‘anarquia destruidora’, entre duas modalidades de ‘ordem’: a anarquia equivale à ‘ordem que se deseja fundar’, e a outra reflete a que parece existir no mundo dos seres e objetos (Bernard, 1959: 444, 449). Ao fim da pugna, a vitória sorri à poesia: do contrário, não procederia a expressão ‘poema em prosa’. O ritmo segue uma modulação mais atenta às unidades melódico-semântico-emotivas que à sintaxe, e muitas vezes os segmentos frásicos articulam-se com relativa simetria, que lembra a regularidade do verso. E o ‘eu’ impera sobre o ‘não-eu’. Em síntese: o quadro próprio da poesia configura-se nitidamente no poema em prosa. E não poderia ser de outro modo, uma vez que a distinção entre a poesia e a prosa independe da forma empregada.”

(MOISÉS, Massaud. Dicionário de termos literários. São Paulo: Cultrix, 2004)


DE UMA TEMPORADA NO INFERNO, DE RIMBAUD

“A mim. A história de uma de minhas loucuras.

Há muito tempo que eu me vangloriava de possuir todas as paisagens possíveis, e achava ridículas as celebridades da pintura e da poesia modernas.

Eu amava as pinturas idiotas, estofos de portais, cenários, lonas de saltimbancos, tabuletas, estampas coloridas populares; a literatura fora de moda, latim de igreja, livros eróticos sem ortografia, romances de nossas avós, contos de fadas, livrinhos infantis, óperas velhas, estribilhos piegas, ritmos ingênuos.

Eu sonhava com cruzadas, viagens de descoberta cujas narrações jamais foram feitas, repúblicas sem histórias, guerras religiosas sufocadas, revoluções de costumes, deslocamentos de raças e de continentes: eu acreditava em todos os encantamentos.

Inventei a cor das vogais! — A negro, E branco, I vermelho, O azul, U verde. — Regulei a forma e movimento de cada consoante e, com ritmos instintivos, nutri a esperança de inventar um verbo poético que seria um dia acessível a todos os sentidos. Eu me reservava sua tradução.”

(RIMBAUD, Arthur. Uma temporada no inferno. Trad.: Ledo Ivo. Rio de Janeiro: ed. Francisco Alves, 1982.)

2 comentários:

  1. O Victor fez algumas observações bem interessantes na última aula: em que medida um poema em prosa se diferencia do poema em verso livre, ou da prosa de ficção?

    O poema em prosa, visualmente, não se diferencia do conto ou do romance, pela forma como as linhas são dispostas na página.

    Porém, no texto ficcional, há um enredo, personagens, um tempo e um espaço narrativo, elementos que não precisam estar presentes no poema em prosa.

    Quando o poema em prosa tem uma história, essa em geral é imprecisa, ambígua, não-linear, fantástica ou absurda, sem traços de realismo ou verosimilhança, como nos Cantos de Maldoror, de Lautréamont.

    Por outro lado, no poema em prosa, valoriza-se a construção melódica e rítmica das frases, a escolha do vocabulário, a sintaxe nem sempre obedece à gramática e existe uma preocupação com a imagem poética, diferente da descrição no romance.

    O poema em prosa também pode usar elementos como a metáfora, a metonímia, a aliteração etc.

    Vale a pena ressaltar a quebra de fronteiras entre os gêneros literários, no poema em prosa, gênero híbrido que incorpora procedimentos da ficção, do teatro, do ensaio, do verso tradicional e de outros tipos de texto.

    O poema em versos livres se aproxima do andamento da prosa, incorpora a linguagem conversacional, muitas vezes aborda a temática cotidiana, inclusive de forma narrativa, como nas Folhas da Relva de Walt Whitman, mas ainda se trata de "versos", ou seja, unidades verbais que são dispostas na página de maneira diferente da prosa, com cortes sintáticos e uma organização melódica própria.

    Ufa, voltaremos ao tema na aula no dia 16!

    Há braços,

    Claudio

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  2. Oi pessoal. Encontrei "Uma Estação no Inferno" em PDF e texto no seguinte endereço:
    http://www.scribd.com/doc/7171389/Rimbaud-Uma-Estacao-No-Inferno. Beijos

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